sábado, 22 de maio de 2010

Remake de Furia de Titãs chega nos cinemas,(primeira versão é de 1985)compare os filmes





Eu lembro como se fosse ontem: assisti ao Fúria de Titãs original quando estreou na televisão, num "Super Cine" -- na época, não tinha "Tela Quente". Eu deveria ter entre seis e sete anos e o cinema começava a me fascinar profundamente. E aquele filme foi particularmente marcante: fiquei simplesmente aterrorizado com a cena da Medusa, ao ponto de cobrir meus olhos nos momentos finais para não ver o que ia acontecer.

Mais tarde, já adolescente e fanático por cinema, descobri que aquele e outros filmes que eu amava quando criança (como Simbad e o Olho do Tigre) eram obra de um único homem, o mestre de efeitos especiais Ray Harryhausen. Há quem hoje ache estes efeitos toscos -- para mim, e para milhares de fãs mundo afora, continuam sendo uma das mais perfeitas representações do sonho cinematográfico, de dar vida àquilo que não existe.

Fúria de Titãs não despertou só o meu amor pela Sétima das Artes, como também pela mitologia grega – paixão devidamente aumentada, mais tarde, pelas obras de Monteiro Lobato. Por isso, é impossível para mim não ver o original de 1981 ou a refilmagem sem fazer a comparação com a tradição mitológica.

Perseu
No Original: fruto de uma relação de Zeus com a mortal Dânae, Perseu é lançado com a mãe num caixão para o mar pelo ciumento marido dela, o rei Acrísio. Eles se salvam e, ao crescer, o semideus vai até a cidade de Jopa, onde se apaixona por Andrômeda. A fim de salvar a sua amada de uma maldição, ele doma Pégaso, combate Calibos, decapita a terrível Medusa e destrói o monstruoso Kraken, a quem Andrômeda será sacrificada. Depois destas façanhas, Perseu vira príncipe de Jopa.
Na Refilmagem: o início é o mesmo; porém, o caixão em que estão Perseu e Dânae (já falecida) é encontrado por uma família de pescadores, que é morta mais tarde por Hades. Perseu é o único sobrevivente e parte numa jornada de vingança contra Hades, em que ele precisa enfrentar Acrísio, a Medusa e o Kraken, entre outros perigos.
No Mito: Dânae não é mulher de Acrísio, e sim sua filha -- portanto, Perseu é neto do rei. Uma profecia de um oráculo previne que o herói, um dia, matará o avô, motivo pelo qual Acrísio joga mãe e filho ao mar. Eles se salvam e Dânae é pretendida por Polidictes, que quer se livrar de Perseu, inventado um concurso para ver quem mata a Medusa. Usando presentes dos deuses (o escudo de Atena, um capacete de Hades e as sandálias voadoras de Hermes), ele mata a criatura e parte para aventuras na África: voa em torno do gigante Atlas, que é transformado numa montanha ao ver a cabeça da Medusa, e enfrenta um monstro que está prestes a matar a princesa Andrômeda, no reino da Etiópia. Casa com Andrômeda e mata Fineu, pretendente da princesa durante o casamento. Ao voltar para Argos, dá de presente para Atena a cabeça da Medusa, que a deusa passa a usar em seu escudo. Durante uma competição de atletismo na cidade, Perseu lança um disco e mata acidentalmente o avô Acrísio, cumprindo a profecia. O príncipe assume o reino de Argos e funda a cidade de Micenas.

Zeus
No Original: é o pai de Perseu, e seu protetor. Ele age de várias maneiras a proteger o filho durante a sua jornada contra Tétis, a principal vilã. Foi um dos últimos papéis de Lawrence Olivier, um dos maiores atores da história.
Na Refilmagem: o Deus dos Deuses está enfrentando uma rebelião dos homens, criados por ele, e o seu irmão Hades. Ele tenta coagir Perseu a auxiliá-lo contra Hades e o ajuda no confronto final com o deus do Mundo Subterrâneo. Teve relações com a mãe de Perseu, a mortal Dânae, disfarçado como o seu marido, o rei Acrísio.
No Mito: Zeus de fato é o pai de Perseu, tendo fecundado Dânae na forma de uma chuva de ouro. No entanto, não interfere em nada nas aventuras do filho, que recebe a proteção de outros deuses.

Hades
No Original: o deus do Mundo Subterrâneo não aparece.
Na Refilmagem: é o vilão da história, que concebe um plano para destronar o irmão Zeus, que o teria enganado e lançado contra a sua vontade no Mundo Subterrâneo.
No Mito: Hades não é uma divindade maléfica; esta é uma leitura tipicamente cristã do mito, que relaciona o Mundo Subterrâneo (chamado pelos gregos de Tártaro, Érebo ou simplesmente Hades) com o Inferno -- assim, Hades seria Lúcifer. Essa relação fica clara na refilmagem, em que o deus ganha asas de fumaça. Na história de Perseu, contudo, Hades auxilia Perseu na caça à Medusa, ao lhe emprestar um capacete que deixa invisível quem o usa -- no filme de 1981, este capacete aparece, mas como um presente de Zeus.

Andrômeda
No Original: é a princesa da cidade de Jopa, na Fenícia, que está amaldiçaoda pela deusa marítima Tétis e seu filho Calibos, a quem ela estava prometida. A divindade manda que ela seja sacrificada ao Kraken no solstício de verão. Apaixonada por Perseu, Andrômeda o segue em boa parte da viagem em direção ao covil da Medusa.
Na Refilmagem: é a princesa da cidade de Argos, na Grécia, que é obrigada por Hades a ser sacrificada ao Kraken durante um eclipse. Não é, porém, o interesse romântico de Perseu, papel que aqui é de Io.
No Mito: princesa do distante reino da Etiópia -- que está sendo devastado por um monstro marinho enviado por Poseidon, deus dos mares. De acordo com um oráculo, é preciso que ela seja sacrificada à criatura para acalmá-la. No momento em que é acorrentada a um rochedo, chega Perseu, que destroi o monstro usando a cabeça da Medusa. Ele desposa Andrômeda e a leva para Argos, onde se tornarão rei e rainha. Já a ninfa Io não tem absolutamente nenhuma relação com a lenda de Perseu.

Calibos
No Original: é o filho de Tétis com um mortal. Zeus o amaldiçoa por seus atos contra os deuses, transformando-o num ser demoníaco que vive no pântano. Antes, era o prometido de Andrômeda; deformado, lança uma maldição sobre a cidade de Jopa, que é quebrada por Perseu. Como também é um semideus, é o principal rival do herói.
Na Refilmagem: o roteiro mistura dois personagens: o rei Acrísio resolve matar a mulher Dânae e o recém-nascido Perseu ao saber da sua traição com Zeus. Enfurecido, o Pai dos Deuses lança seus raios e desfigura Acrísio, que passa a se chamar Calibos. É cooptado por Hades a matar o filho bastardo.
No Mito: Calibos nunca existiu na mitologia grega; é uma versão de Caliban, personagem de um escravo deformado criado por William Shakespeare para a sua última peça, A Tempestade. Já a luta entre Acrísio e Perseu tem a ver com a mitologia grega: como já vimos, Acrísio na verdade seria o avô de Perseu, e que é avisado de uma profecia de que o neto o mataria. No filme de 1981, Acrísio e a cidade de Argos são destruídos pelo Kraken.

Pégaso:
No Original: o corcel alado seria o último de uma linhagem pertencente a Zeus e caçada impiedosamente por Calibos. Ele é domado por Perseu para seguir um abutre gigante que rapta Andrômeda todas as noites. As suas cenas de voo estão entre as mais fascinantes do cinema de fantasia de todos os tempos.
Na Refilmagem: a tropa de cavalos alados ainda existe e Pégaso é o líder; aparece pouquíssimo no filme, auxiliando Perseu por comando de Zeus apenas no final. Enquanto o de 1981 é branco, aqui ele é negro.
No Mito: Pégaso participa indiretamente do mito de Perseu: na verdade, ele teria nascido de dentro do corpo da Medusa, através da abertura do seu pescoço após a decapitação; ele será domando apenas pelo herói Belerofonte, que o usará para derrotar a Quimera. Não há manada de cavalos alados.

Medusa
No Original: uma sacerdotisa amaldiçoada pelos deuses, virou um ser tão pavoroso que transforma quem a olha em pedra. Além das serpentes no cabelo, metade do seu corpo é de cobra e a pele é toda escamosa; ela rasteja usando as mãos e dispara flechas. O chocalho de cascavel na ponta da cauda é o aviso sonoro da sua presença.
Na Refilmagem: as principais ideias formuladas em 1981 foram mantidas, como as flechas e a cauda de serpente; o rosto hediondo, porém, foi trocado por uma versão computadorizada da modelo russa Natalia Vodianova. Ela transforma os inimigos em pedra apenas quando quer. Ao invés do chocalho de cascavel, o som ameaçador que ela emite é uma risada feminina debochada.
No Mito: a sua origem em ambos os filmes foi respeitada; a cauda de cobra e o caráter caçador, porém, foi acréscimo de Harryhausen. Qualquer coisa a que olhe transforma-se em pedra, independente se Medusa queira ou não. Tinha duas irmãs, a quem chamavam Górgonas (as irmãs de Medusa, apesar de terem os mesmos poderes, são apenas citadas, nunca protagonizam nenhuma lenda, por isso a expressão "Górgona" também é sinônimo de Medusa). Perseu a mata de maneira furtiva (não num combate como nos filmes), aproximando-se dela vendo o reflexo no interior do escudo -- ambas as películas fazem referência a isso. Sua cabeça, mesmo cortada, continua com a mesma propriedade de petrificar os seres.

Os escorpiões
No Original: são fruto de uma manobra de Calibos: ele fura o saco onde está a cabeça da Górgona e o sangue, ao cair no chão, dá origem aos escorpiões que atacam os companheiros de Perseu.
Na Refilmagem: são criados a partir de Calibos, ferido por Perseu durante uma luta; enquanto foge, o seu sangue (impregnado pelo veneno de Hades) vai pingando pelo caminho, transformando-se em escorpiões -- um deles, maior, é originado de sua mão decepada.
No Mito: não há escorpião algum; entretanto, a ideia se baseia nos poderes conferidos pelas lendas ao sangue da Medusa. Perseu teria voado por cima do Saara transportando a cabeça da Górgona em direção à Etiópia: gotas de sangue do monstro teriam caído na areia e criaram as víboras que infestam o deserto. O Mar Vermelho teria ficado desta cor quando suas águas tocaram a cabeça da Medusa durante o duelo de Perseu com o monstro marinho que ataca Andrômeda.


As Graias
No Original: as três bruxas cegas que compartilham um único olho protagonizam um momento de humor negro, ao contar para Perseu como derrotar o Kraken.
Na Refilmagem: a cena com as bruxas, igualmente ameaçadoras, serve como pretexto para mais uma pancadaria no filme.
No Mito: as bruxas estígeas, como também são conhecidas, são as criaturas míticas retratadas de maneira mais fiel pelos dois filmes: a função na história de Perseu e a descrição do seu visual foi totalmente respeitada -- incluindo o detalhe do olho compartilhado por elas. A informação omitida nos roteiros é que elas eram irmãs de Medusa, e por isso sabiam o seu paradeiro.

O Kraken
No Original: é um dos Titãs, e está sob o comando de Zeus e de Poseidon. Tem uma aparência de réptil e quatro braços. Fica retido numa caverna no mar.
Na Refilmagem: é um monstro criado por Hades para derrotar os Titãs em sua guerra contra Deuses e, desde então, está preso no mundo subterrâneo. Aqui, ganhou uma aparência que mistura características de crustáceos e moluscos.
No Mito: o Kraken não é parte da mitologia grega, e sim da mitologia nórdica e era uma representação da lula-gigante, animal que realmente existe. No mito grego, Andrômeda é ameaçada pelo monstro Cetus (cujo nome significa "baleia" em grego). A liberdade poética foi justificada por Harryhausen em 1981 por ser o Kraken um monstro com mais apelo junto ao público. A refilmagem manteve a ideia.

Os Titãs
No Original: seriam os monstros da mitologia grega: o "encontro de titãs" a que se refere o título original em inglês seria o combate entre os poderes da Medusa e do Kraken.
Na Refilmagem: não há motivo nenhum da manutenção do nome "titã" no título, já que sabemos na introdução que eles foram derrotados pelo Kraken sob o comando de Hades. Há duas pálidas citações aos Titãs -- uma delas, uma frase tirada do original: "um titã contra outro titã", dita por uma das Graias.
No Mito: os Titãs na tradição mitológicas são a segunda geração de divindades gregas: eles são filhos dos Deuses Primordiais e os pais dos Deuses Olímpicos, por quem foram destronados. Portanto, não são monstros.

Por fim, temos os djins: criaturas do folclóre árabe (são uma espécie de entidades do fogo, relacionadas com os Gênios), não têm relação alguma com os mitos gregos e são uma licença poética na refilmagem -- como o Kraken o foi na versão original.

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